segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"Histoire d'O" e Submissão ao Masculino




Vivemos numa sociedade ideológica onde domina a ideologia masculina, e em que a visão desta está, por defeito, interiorizada e subentendida. O ponto de vista ideológico dominante faz com que o olhar masculino se imponha independentemente do objecto e destinatário, o que leva à perpetuação da desigualdade entre sexos.
A mulher é constantemente julgada e oprimida pela sociedade para adoptar determinados comportamentos, como mostra Simone de Beauvoir no livro “O Segundo Sexo”. A cultura, a publicidade, os media impõe uma imagem de beleza e moda que “através dela, a mulher que sofre por não fazer nada, acredita exprimir o seu ser. Cuidar de sua beleza, arranjar-se é uma espécie de trabalho que lhe permite apropriar-se de sua pessoa (…) Os costumes incitam-na a alienar-se assim em sua imagem. (…) a própria sociedade pede à mulher que se faça objecto erótico. (…)" [1]

Ao ver o filme “Story of O” (1975), baseado no romance francês “Histoire d’O” (1954) de Pauline Réage, associei a estas temáticas, uma vez que aborda a história de uma mulher, “O”, fotógrafa de moda bem-sucedida, que se deixa levar sem resistência pelo seu amante René para o castelo de Roissy, uma propriedade onde as mulheres eram educadas como objectos sexuais para serem submissas à vontade dos homens. Para tal são amarradas, chicoteadas e torturadas, e ainda que lhes digam “és sempre livre para te ires embora, ninguém te obriga a ficar aqui”, a submissão já inerente fá-las continuar a se submeterem, passivas, à humilhação e maus-tratos. A mulher é então tratada como mero objecto sexual, propriedade do homem (sendo até marcada com as iniciais do seu “dono”) e passível de troca.


Ilustração para Histoire d'O, de Leonor Fini 
Litografia, 1962

“Finally a woman confesses! Confess what? What women never allowed themselves to confess. What men always criticized on them: they only obey the blood and everything is sex on them, even the spirit.” [2] 


A história é chocante e controversa, pela temática que aborda, pela passividade das mulheres ao serem submetidas à condição de objecto, pelas cenas de violência e nudez explícita, ainda que esta se verifique apenas no feminino. Mais uma vez se revela a ideologia dominante masculina, sexista. O filme levou-me também a pensar sobre o livro “O Prazer Visual e o Cinema Narrativo” (1975) de Laura Mulvey, que fala sobre o voyerismo/escopofilia, ou seja o prazer pela observação, que Freud associa com o tomar de pessoas por objectos, sujeitando-as a um observar controlador e curioso, suscitando no observador a ilusão de estar a espreitar para um mundo privado. 

"Tomam-se, como pontos de partida, tanto o modo como o cinema reflecte, revela, e até age na interpretação rígida e socialmente estabelecida da diferença sexual que controla as imagens, como também os modos eróticos de olhar e de ver."
"Num mundo organizado pelo desequilíbrio sexual, o prazer do olhar foi fracturado entre o activo/masculino e passivo/feminino. O determinante observar masculino projecta a sua fantasia sobre a figura feminina, que é preparada em conformidade. No seu papel tradicionalmente exibicionista as mulheres são simultaneamente olhadas e exibidas, e a sua aparência é codificada para o impacte visual e erótico. (…)" [3] 

Assim, no cinema, o homem controla a fantasia do filme e emerge como representante do poder, enquanto a mulher surge como espectáculo.




Notas:
[1] Op.cit.: DE BEAUVOIR, Simone (1967) O Segundo Sexo 2. A Experiência Vivida. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, p. 296..

[2] Op.cit.: RÉAGE, Pauline (1965) Story of O. New York: Ballantine Books, 1965

[3] Op.cit.: MULVEY, Laura (1975) "Visual Pleasure and Narrative Cinema" Screen, vol. 16 (Autumn), pp. 6-18. Tradução de João Paulo Queiroz. Acedido em 2012-12-15. Disponível em URL <http://textos.ueuo.com/mulvey.pdf>

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