domingo, 26 de maio de 2013

jogos


No último dia 17 de Maio, foi aprovado, em Assembleia da República, o projecto de lei que permite a co-adopção por pessoas do mesmo sexo.
  • co-adopção. s.f. acto jurídico pelo qual se estabelece relação legal de filiação com o filho de um conjugue ou afim.


  • Artigo 3.º do Decreto de Lei n.º 9/2010 de 21 de Maio - Adopção: 1 — As alterações introduzidas pela presente lei não implicam a admissibilidade legal da adopção, em qualquer das suas modalidades, por pessoas casadas com cônjuge do mesmo sexo; 2 — Nenhuma disposição legal em matéria de adopção pode ser interpretada em sentido contrário ao disposto no número anterior.
A co-adopção pode ser usada como forma de contrariar a lei, que não prevê a adopção entre casais do mesmo sexo, abrindo espaço para que esta possa ser feita, por exemplo, com uma adopção por faseada. 
Anda-se para a frente ou para trás? A possibilidade de poder ser feita a adopção entre pessoas do mesmo sexo é animadora, mas até que ponto o facto de esta estar sujeita a jogos submissos, morosos e burocráticos é glorificante ou, denota algum tipo de mudança? Vitória ou humilhação? "Pode-se fazer, ir e ser, às escondidas; toda a gente sabe mas ninguém conhece."

Transformação


Este vídeo inclui uma cena do filme Laurence Anyways, de Xavier Dolan. Xavier situa-nos na década de 80, no Canadá, e conta-nos a história de um casal de namorados heterossexual, Laurence e Fred, que se vêm obrigados a reinterpretar a sua relação a partir do momento em que Laurence confessa a Fred que sempre desejou ser uma mulher e que, portanto, quer envelhecer como uma, iniciando todo um processo de transformação. Contra todas as adversidades, contra família e amigos e contra eles mesmos, enfrentam uma situação que constitui permanente ofensa à sociedade e embarcam num processo de transição, que coloca a sua relação num estádio de grande fragilidade.
Esta cena em particular, serve como exemplo de alguns dos conflitos aos quais são expostos, ainda que numa fase inicial da transformação de Laurence. Vítimas das fobias de uma sociedade que olha, que viola, que magoa, que risca a azul, que proíbe, estas duas pessoas lutam por um amor que transcende o género.

Xavier conduz o espectador a diferentes pontos de vista, constituindo este filme uma espécie de viagem por conceitos que resultam em várias questões, nomeadamente: a prisão que o sexo constitui, dando forma ao género; o que é que, em três décadas, mudou na forma como a sociedade recebe a transsexualidade; o amor independentemente do padrão social; etc.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Ocupar Lisboa

Ocupar | Ocupar em Portugal
Artigo 65.º do Decreto de Aprovação da Constituição nº CRP 1976 de 10 de Abril de 1976 - (Habitação): 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
Os alicerces do movimento okupa nascem e ganham vida no berço capitalista, como uma forma de protesto e luta à especulação imobiliária - através da subversão entre o privado e o comunitário, ao abandono do património, que ganha especial visibilidade nas metrópoles, devido à desertificação das mesmas, assim como remete a um questionar daquilo que é o conceito de propriedade.
Essencialmente, a ocupação revela-se como um acto de afirmação e crítica face ao sistema, tentando-se recuperar uma soberania individual e restabelecer um local de actuação de comunidade: o indivíduo torna-se cada vez mais activo, não se demitindo do seu papel.

Ocupar um espaço abandonado, em relação ao qual o proprietário legal não revela interesse ou não tem condições para manter vivo, e que portanto é considerado devoluto, é uma acção passível de ser interpretada através de diversos pontos de vista. A legislação altera-se de país para país, havendo muitas disparidades entre estas.

Em Portugal, este movimento não se encontra tão socialmente disseminado como noutros países, como Espanha, por exemplo, em que a  okupação assegura o seu lugar cativo num retrato social logo após a Guerra Civil Espanhola. A maioria da população não conhece o movimento e a legislação não o admite: a ocupação não existe em termos jurídicos.
Artigo nº 1316 (Modos de Aquisição) do Código Civil Português: O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei. 
Alínea d) do Artigo nº 1317 (Momento da Aquisição) do Código Civil PortuguêsO momento da aquisição do direito de propriedade é, nos casos de ocupação e acessão, o da verificação dos factos respectivos.
Artigo nº 1318 do Código Civil PortuguêsPodem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.
A realidade é que ocupar em Portugal é uma grande história de amor, qual Romeu e Julieta; é uma luta diária por um espaço que legalmente não pertence a quem ocupa, estando esta entidade sujeita a ser despejada a qualquer momento, independentemente do tempo, dedicação e empenho que tenha investido no mesmo, e do estado de devolução em que o bem imóvel se possa encontrar. A habitação torna-se um fetiche: basta um alguém atribuir importância a uma casa devoluta, que esta passa a ter um repentino valor para o seu proprietário (alienando-nos do significado de propriedade), que a tinha abandonado até então.

Assim como no amor, a desilusão pode caminhar de mãos dadas com a ocupação. Tornar um espaço moribundo um Lar é também uma forma de partilha, porque também colectiva; usualmente, os alicerces desse Lar são comunitários: para a comunidade, como comunidade, em comunidade.

É de se compreender que a ocupação não prende o espaço; é versátil e transversal; não tem morada, não cessa. É, independentemente do sítio.

A ocupação não é uma utopia, mas a utopia pode tornar a ocupação mais recorrente: quando caminhas para a utopia podes passar pela ocupação. Como todas as histórias de amor, é uma história de amor contigo mesmo e com o teu ego. É importante, como em tudo, que os egos colectivos se reunam com alguma frequência e se amem, sem nunca haver vontade dissimulada que algum não participe, sem que as portas se fechem às escondidas.


Todas ao Ministério

No passado dia 25 de Abril, ocupou-se em Lisboa o antigo Ministério da Educação da Ditadura Nacional, nº 1 do Campo Mártires da Pátria, propriedade privada. A acção relâmpago, de carácter provocador e simbólico, apresentou-se ao público com uma agenda cultural compreendida entre o dia da ocupação e o 1º de Maio e incluía vários debates, jantares, conversas (inclusive com Alselm Jappe, que se encontrava em Portugal durante essa semana) e outros convívios e encontrava-se aberta a toda a população. 

Dois dias depois, já o proprietário conhecia o sucedido e fez o seu representante acompanhar-se da PSP ao local, de forma a despejar quem lá se encontrasse. No dia anterior por mais de três vezes vários agentes da autoridade, de diferentes postos, se tinham dirigido ao Ministério, revelando não conhecer a legislação, o edifício ou o proprietário do mesmo, que diziam pertencer ao Estado Português.

Para além do simbolismo patente a este projecto, ocupar este palácio em particular revelou-se muito oportuno, pois pôs a descoberto um caso de usurpação do património nacional, macabro:


 - datado do século XVIII, o Palácio Silva Amado foi adquirido pelo estado em 1928, sendo que constitui um dos mais ricos exemplos da arquitectura setecentista e está classificado como Imóvel de Interesse Público; o seu interior encontra-se ornamentado com materiais de grande qualidade e aparato como mármores polidos, tectos de caixotões de madeira pintada, talha, pintura, espelhos, entre outros;



 - após a ocupação do edifício, que estaria abandonado há mais de uma década, encontraram-se todas as paredes despidas dos painéis de azulejos, ainda com as marcas da presença dos mesmos, que teriam sido numerados;

- há um projecto para este palácio ser reestruturado, pela promotora imobiliária espanhola Reyal Urbis, e transformado num hotel de luxo, num investimento de mais de 20 milhões de euros, como afirma a proprietária no seu sítio.

Esta ocupação simbólica desenferrujou muitas engrenagens. Muito bem recebida pela vizinhança, por turistas e curiosos, teve as portas abertas sempre desde o início: não precisas de chave para entrar em casa.
Urge repensar e restabelecer determinados valores. O libertinismo e o estado de selvajaria deformada que paira no ar põe todos a jeito para que isso aconteça nesse sentido.