sábado, 29 de dezembro de 2012

A publicidade como meio persuasivo

A publicidade tem um poder tremendo de mover massas e de ser, através dos meios de comunicação, o principal transformador social e cultural dos indivíduos.
Através da obra "Sociedade do Espectáculo" de Guy Debord, conseguimos perceber o modo como a publicidade é só mais um dos meios persuasivos de uma sociedade submetida unicamente a lógicas capitalistas. A publicidade é o grande véu que cobre toda a impureza dessa lógica, é a boa e satisfatória aparência que encobre todo o mal que ela própria acarreta. São imagens manipuladoras e causadoras duma sociedade onde habitam os "fantoches" do consumismo.






Estes dois anúncios anteriores vão tocar num suposto problema natural dos indivíduos: a procura pelo sexo oposto. Tem um teor sexual que provoca no indivíduo o desejo do produto. Invoca a imagem como aparência: a quase promessa aparente de que quem obtiver o produto obterá a mulher/homem. E é engraçado ver que estes dois anúncios publicitam produtos que se contrariam de certa maneira: a pasta de dentes e o cigarro; mas são publicitados da mesma maneira, com a promessa do sexo oposto.




Este é um dos anúncios mais tentadores, basta tocar num dos pontos sensíveis da mulher: o não querer envelhecer. Este creme surge como opção para que o envelhecimento seja contrariado, mostrando-nos a imagem duma mulher bela com a pele suave, procurando convencer as mulheres que estarão no mesmo patamar que ela, caso comprem o produto. A publicidade toca nas "feridas" para depois oferecer um "curativo" sem efeito.




Neste primeiro anúncio da Marlboro conseguimos ler a frase “Why don’t you settle back and have a full-flavored smoke?”. Uma imagem de relaxamento, o esquecimento de problemas, que a publicidade cria ao espectador. Mas não é só essa a imagem que nos é apresentada. Para que a publicidade fosse ainda mais persuasiva, puseram, como protagonista, um jogador de basebol.
Uma vedeta da altura que chamaria a atenção de massas. Não poderia ser melhor publicidade para uma marca de cigarros: “Paul’s a Marlboro man all the way”.
Ainda hoje isso acontece, estas manobras de propaganda são cada vez mais utilizadas nos dias de hoje, como é o caso do champô da "Linic", promovido pela idolatrada vedeta portuguesa do futebol, Cristiano Ronaldo. Se queremos ter um cabelo saudável como o jogador influenciam nos a comprar o produto que supostamente ele utiliza.
 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Passagem


Com tantas coisas que se passam no nosso dia-a-dia, são infinitas as ideias e pensamentos que ficam fora do nosso pensamento, mais até, do que as que por lá passaram. Seria necessário uma vida infinita, diria eu, para conseguir pensar nessas infinitas ideias que são rejeitadas todos os dias. Uma delas é a própria questão do tempo, o tempo que leva uma vida, o tempo que levaram todas as outras vidas, todas as vidas que decorrem neste preciso momento, e no outro, e no outro a seguir. Realmente, o tempo há de ser das coisas maiores que existem e, no fundo, intemporal.
O tempo que perdemos a fazer coisas, o tempo que perdemos a pensar em coisas, o tempo que perdemos a pensar no tempo, tudo isto é algo irónico.
Quando pensamos nisso, já alguém pensou no tempo, já alguém perdeu esse tempo a pensar no tempo, já foram criados os segundos, horas, dias, anos, entre tantas outras ordens de medição do tempo.
Pegando num instante, num segundo, até assusta pensar nele, pois já passou! Foi assim, tão rápido, e no entanto tanta coisa aconteceu nesse mesmo segundo. Tanta coisa foi alterada, tantos bebés nasceram, tantas pessoas morreram, tanta coisa aconteceu, tanta coisa acontece, tanta coisa está a acontecer! E essa é a força do tempo! Do passado, do presente e do futuro, sendo que da primeira nada resta senão os pensamentos e as consequências que nos levam ao presente. Este quase que se torna difícil de apreciar, pois está sempre a passar, não para como nos jogos. Aliás, uma das coisas mais angustiantes é olhar para um relógio, não aqueles em que o ponteiro vai avançando segundo a segundo, mas aqueles em que esse mesmo ponteiro está constantemente em movimento, não para, nem mesmo durante um milésimo de segundo, e isso assusta. Não dá para o apanhar, parece que está sempre um passo à frente de nós. Quanto ao futuro, resta-nos aguardar, porque, assim como o presente está sempre a fugir, o futuro está sempre a chegar. Fazem-no de uma forma sincronizada, sempre a passar, sempre à mesma velocidade, sempre ao mesmo ritmo, como uma dança, uma dança que passa por nós, e no fundo, com a qual dançamos toda a vida.


“Estamos sempre no presente, sempre que pensamos nele, a sua espessura vai-se reduzindo.”

João Paulo Queiroz

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Crises

Ao longo de todo este ano que passou, andou pelas bocas do mundo a palavra 'Crise'.

Andou e anda, pois a situação não parece estar para mudar em tempos próximos, e o vocabulário não muda assim de um dia para o outro.


Crise.

A verdade é que não nos é palavra estranha.
Ao longo dos sucessivos governos e governantes, que trocam de poiso como a maré, ela foi-se tornando lugar comum no léxico dos políticos, dos média e de nos próprios.

"Mas esta agora é mundial!" dizem as pessoas que percebem do assunto.
Sim, a última gota foi à escala mundial.
Com raízes no mundo económico/bancário pouco regulado e selvagem.
(Por muito que agora queiram atirar as culpas para o estado social.)
Mas já há bastante tempo que se ouve falar do perpétuo desarranjo que em Portugal vigora.


Chega-se ao ridículo de em pleno e actual sistema democrático, pelo qual se lutou tanto para obter, constatarmos que ao longo dos anos e dos séculos, tivemos muito poucos responsáveis políticos competentes.

A Monarquía acabou como se sabe.
Com o saudoso Presidente Manuel de Arriaga tivemos uma primeira república decente, seguida de várias de qualidade inferior, algumas das quais de tal maneira bem constituídas que só chegaram a durar um dia.
Atentados para aqui e para ali e muita convulsão social para adoçar a coisa.
Ditadura Militar que é para pôr ordem na coisa.
Logo chega a malta do Estado Novo que só quer trazer paz e calma para toda gente.
União Nacional e tal.
O ministro da Finanças (que até tinha sido seminarista) torna-se o chefão cá da coisa.
E pimbas, Censura! Porque algumas pessoas mal intencionadas e de carácter duvidoso querem estragar o truque aos bons da fita.
Exaltação da pátria, Futebol, Fado e Fátima, e a gente começa a perceber que a coisa é capaz de dar para o torto.
E depois Guerra Ultramarina, porque alguns gajos lá mais em baixo queriam mais poder e isso não podia ser pois Portugal era 'uno, aqui e além Mar!'.
Depois o Chefão lá da cena cai da cadeira, as pessoas pensam que a coisa vai melhorar mas afinal era só ameaça.
As coisas continuam na mesma.
Depois 25 de abril, gente feliz e cravos.... muitos cravos.
Depois o PREC.......(Processo Revolucionário em Curso para quem não sabe.)
A gente rica muda-se toda para o Brasil. Lá há gente mais bonita e de melhores costumes portanto parece razoável.
Decide-se formar a Junta de Salvação Nacional.
A coisa até parece estar a ficar decente mas afinal não dá que os senhores do PREC têm mais que fazer.
Depois fica-se a beira da guerra civil, mas o general Ramalho Eanes não quer e a coisa fica para depois.
Depois o general Ramalho Eanes deixa de ser general e passa a ser Presidente da República.
O Sr. Mário Soares também quer uma coisa assim dos estilo do Sr. Eanes e torna-se Primeiro Ministro.
O FMI é chamado a intervir pela primeira vez em Portugal.
Depois o Sr. Sá Carneiro lá consegue pôr toda a gente à direita a dizer que sim e que não ao mesmo tempo e forma a AD.
Torna-se Primeiro Ministro.
A gente rica começa a voltar porque a coisa cá afinal não é tão má como se pensava e também há gente bonita de vez em quando.
O avião do Sr. Sá Carneiro explode e ele deixa de ser Primeiro Ministro.
O Sr. Pinto Balsemão torna-se Primeiro Ministro durante um bocado.
O Sr. Mário Soares acha que uma vez só não chega portanto volta a ser primeiro ministro formando o Bloco Central...
O FMI é mais uma vez chamado a intervir em Portugal, porque afinal não ficou tudo como deve de ser na primeira vez.
Pouco depois o Sr. Cavaco Silva não quer ficar atrás do Sr. Mário portanto torna-se primeiro ministro também.
O Sr. Mário Soares ao ver o Sr. Silva a encurtar distância, decide tornar-se Presidente da República.
Portugal junta-se a UE.
O cofres de portugal ficam de repente um pouco mais cheios.
Começam a surgir Auto-estradas e rotundas por todo o lado. Fenómeno inexplicável.
Os caminhos de ferro começam a desaparecer. Fenómeno igualmente inexplicável.
A agricultura portuguesa e a frota pesqueira desaparecem e ninguém sabe para onde foram nem se voltam em breve.
Os cofres portugueses começam a não tar tão pesados.
O Sr. António Guterres acha que já chega e diz que é tempo de haver alguém que leve o país por melhores caminhos e torna-se primeiro ministro também.
O partido do Sr. António Guterres não concorda e decide fazer-lhe a vida negra, levando-o à demissão a meio do segundo mandato.
Entretanto o Sr. Sampaio como quem não quer a coisa torna-se Presidente da República.
O Sr. Durão Barroso, que antes era de extrema esquerda, afinal é homem de direita e torna-se primeiro ministro.
Estádios de futebol aparecem subitamente por tudo o lado. Outro fenómeno.
Mais estradas.
Os cofres portugueses ficam mais esbeltos
O Sr. primeiro ministro do Luxemburgo rejeita o convite para presidente da comissão Europeia porque acha que tem um dever a cumprir para com o povo que o elegeu.
O Sr. Durão Barroso não é da mesma opinião.
Apresenta a demissão ao Presidente Sampaio, deixa cá o Sr. Santana Lopes e emigra para Bruxelas.
Parece que, segundo ele "o país tava de tanga".
Euro 2004, em que perdemos na final com a grandiosa equipa Grega....
O Sr. Santana Lopes não dura um ano e é demitido pelo Presidente Sampaio porque a coisa não tava a dar.
O Sr. Sócrates ganha duas vezes.
A meio insulta a tia de um deputado não me lembro bem porque.
O Sr. Cavaco Silva apanha finalmente o Sr. Mário Soares, e torna-se Presidente da República.
Mais estradas, rotundas, e centros de saúde que ninguém usa.
Vem-se a saber que ao conteúdo dos cofres de portugal aconteceu coisa semelhante à que já tinha acontecido aos caminhos férreos, à agricultura e à frota pesqueira.
O FMI é mais uma vez chamado.
O Sr. Sócrates culpa o governo anterior.
A oposição culpa o Sr. Sócrates.
O Sr. Sócrates apresenta um plano chamado PEC 4, que é para tentar emendar a coisa.
A oposição não gosta e chumba o PEC.
O Sr. Sócrates demite-se porque não tem condições.
Depois volta a candidatar-se.
E perde para com o Sr. Coelho.

E.....

Bom esta parte já conhecemos.
A oposição de esquerda culpa o actual governo de direita, que por sua vez culpa o anterior governo de esquerda.
Os jovens culpam os velhos por terem deixado a coisa chegar onde chegou;
e os velhos culpam os jovens pela sua incompetência e ignorância.

Os dois maiores partidos perecem sob o peso dos seus próprios interesses, que ao longo dos anos foram alimentando, desperdiçando sucessivas oportunidades de melhorar o país, acabando por se tornarem indistinguíveis um do outro.

Nenhum dos outros partidos se apresenta como alternativa.
O PCP tarda em se distinguir do comunismo que levou a União Soviética, a Coreia do Norte e a China a ditaduras repressivas e autoritárias.
O BE nunca apresenta propostas realistas, escolhendo apenas criticar tudo e todos.
O CDS das poucas vezes que teve no governo decidiu tornar-se replica do PSD e alimentar as suas hostes (aliás como se pode testemunhar).

Há aqueles que consideram que é o próprio sistema que está errado e que se devia repensar a coisa.
Há aqueles que não, que as coisas foram é mal executadas, mas que o sistema está bem.


E ficamos assim?
A entristecer. 
Umas vezes melhor, outra vezes pior?
Nesta nossa perpétua crise, que dura já à gerações, esperando que ventos melhores nos levem a melhores portos?


Uns tantos dizem não! Que querem deitar tudo abaixo, num ataque de fúria.
Outros tantos querem deitar tudo abaixo porque lhe dá gozo.
Outros acham que não.
Outros acham que sim.
Há ainda outros que acham tudo.
E outros que não acham nada.

E ficamos então assim.
Todos têm razão.
Ninguém ganha.
Também ninguém perde, não é?
Empate técnico.
Ninguém é responsabilizado.
É melhor assim.
Não há maus.
Mas também não há bons.
Nem Preto.
Nem Branco.
O Cinzento torna-se moda e o Arco-iris, insulto.







O Fetichismo do Iphone




Segundo o texto “O carácter de feitiço da mercadoria e o seu segredo” do livro O Capital: Crítica da Economia Política, Karl Marx utiliza a ideia de fetiche (feitiço) da mercadoria para referir-se ao conceito económico e ideológico da mercadoria que assume na sociedade capitalista.

Para uma melhor compreensão do seu significado, decidi consultar o Dicionário da Língua Portuguesa: “objecto a que se presta culto por se lhe atribuir poder mágico ou sobrenatural”, ou seja, esse poder mágico e/ou sobrenatural consiste no poder que os produtos exercem sobre o consumidor.
Para Karl Marx, estes produtos que se tornam como mágicos conseguiram ultrapassar a lei natural do seu valor de uso. Enquanto valor de uso não há nada de misterioso, pois apenas satisfaz necessidades humanas. O trabalho humano transforma as propriedades do produto, convertendo-o numa coisa sensível com carácter místico que se afasta do conceito do seu valor uso.

Nos dias de hoje, em que tudo gira à volta da Publicidade e do Marketing qualquer consumidor  tem um telemóvel, para fazer chamadas e para mandar mensagens, mas muitos não pretendem apenas um telemóvel, mas sim um “topo de gama”, como por exemplo um Iphone. Isto acontece, devido  à grande publicidade do Iphone, que aparece constantemente na televisão, nas revistas e na internet, e também devido ao grande sucesso da marca e do grande profissionalismo do seu fundador, Steve Jobs. Assim o consumidor vê este produto como um meio de satisfação dos seus desejos, de ascensão social, de estar na moda, para assim, poder parecer bem aos olhos dos outros.
O produto adquire a forma  de uma relação social.
O consumidor ao adquirir o telemóvel Iphone pretende marcar a diferença, é um status social que só é acessível a alguns, um meio de satisfação dos seus desejos que estão reflectidos na sociedade através do significado deste telemóvel topo de gama.

Este fetichismo não é só aplicado a um ou a dois, mas a todos os consumidores que são injetados e influenciados por estes anúncios, sendo a publicidade a grande responsável por esta “magia”, na sociedade dos dias de hoje. É por isso que este fetiche que o Iphone provoca através da publicidade, transforma-se numa necessidade, quase obrigatória. Na maioria das vezes, em que isto acontece, o objecto torna-se numa primeira necessidade, o que nem sempre é verdade, o consumidor precisa de um telemóvel, mas não necessariamente de um topo de gama.
Isto significa que o valores foram subvertidos. O  valor de uso torna-se opcional e até dispensável e o valor ilusório e fantasmagórico que o produto promete torna-se fundamental para o homem de uma sociedade.

O Homem Incondicionado






“‘O homem incondicionado’, é, em primeiro lugar, o homem que é sob todas as condições mais desfavoráveis e miseráveis – o homem que não nega a sua humanidade em quaisquer condições, mas, pelo contrário, ‘está com ela’ incondicionalmente.”

 - Viktor Frankl








Nascido em Viena em 1905, de origem judia, Viktor Frankl foi professor de neuro-psiquiatria, humanista e filósofo existencialista, e o fundador da chamada terceira corrente de psicoterapia de Viena (os fundadores das outras duas correntes foram Freud e Adler), denominada de 'logoterapia', viveu como prisioneiro número 119 104 o sofrimento indescritível dos campos de concentração, onde perdeu a mulher, o pai e a mãe. 

A experiência aí vivida permitiu-lhe perceber que quem tem algo por que viver suporta melhor o sofrimento do que quem se sente existencialmente vazio. A partir deste conhecimento, Viktor Frankl desenvolveu junto dos companheiros de cativeiro, uma intensa actividade no sentido de os ajudar a encontrar situações e oportunidades que lhes permitissem dar um sentido à sua vida. Agindo desta maneira, conseguiu despertar força interior e confiança, o que permitiu a muitos deles resistir ao sofrimento e sobreviver. 

Depois da Guerra e até ao final da sua vida em 1997, Viktor Frankl não deixou de, a partir da sua concepção optimista de homem, fundada na sua crença da capacidade de o homem, apesar de todos os seus condicionalismos, poder tomar posição, libertando-se deles através da sua dimensão mental/espiritual, prosseguir o caminho de ajudar os outros a encarar a vida de uma forma positiva.

Ao afirmar que a vida humana tem sentido Viktor Frankl estabelece o fundamento da Logoterapia. É ao partir deste postulado que o autor incita todos os seres humanos a encontrarem um sentido para a sua vida. É significativa a sua experiência num campo de concentração, pois demonstra como a dignidade do ser humano pode ser mantida no meio dos maiores sofrimentos e misérias a que pode ser exposto.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O Facebook e a Inveja


Pode dizer-se que a publicidade a que somos sujeitos diariamente propõe que modifiquemos a nossa vida, que nos transformemos, apelando à nossa inveja. Isto é, ela mostra-nos situações e pessoas que invejamos, que desejamos ter e ser; que desejamos «ter e ser», no fundo, para podermos provocar inveja nos outros.

O Facebook tem, hoje, cerca de um bilião de usuários activos. Eu faço parte desse número, e, pelo que posso observar, a principal função deste site, muitas das vezes, é ‘publicitar’.
               
Parece-me que a maioria destes usuários utilizam o Facebook, não tanto para se «conectarem com aqueles à sua volta» (como é apregoado no slogan), mas antes para publicitar a sua vida, transformando o site numa espécie de 'montra humana', ou numa espécie de concurso, onde ganha quem consegue provocar a inveja no maior número de pessoas.




Dia(s) de Natal


Lembro-me do tempo em que o Natal era uma época distante dos restantes dias do ano. Associava-o a uma data mágica, onde o sonho e a imaginação eram o espelho de um tempo diferente, mais próximo de cada um de nós. 

Recordo que, ao longo da infância, iam surgindo breves mensagens que procuravam incutir o “verdadeiro espírito de Natal”. Conceito que pensara ter apreendido: valorizar os afetos, a capacidade de “dar”, sem apenas valorizar o desejo característico dos presentes. Todavia, ao crescermos, apercebemo-nos que esta mensagem, aparentemente simples, concentra em si mesma uma forte rutura ideológica. No sentido de melhor compreendermos a noção do “verdadeiro espírito”, concentremos o nosso olhar na evolução do Natal na sociedade, ao longo do tempo.

Inicialmente, o Natal não era celebrado, surgindo como festividade religiosa apenas no século IV, comemorando o nascimento de Jesus Cristo no simbólico dia 25 de Dezembro, data em que o Imperador Justiniano o proclamou feriado nacional.

Ao longo dos tempos, a festividade tem sido comemorada segundo um invólucro ideológico cada vez mais enraizado na sociedade. A simplicidade evocada pelo conceito de Natal, em grande parte presente na memória dos nossos avós, opõe-se à frenética rede consumista atual. O fenómeno coletivo da “febre das compras” é alimentado, em pleno Outubro, pelas sucessivas propagandas publicitárias e pelos centros comerciais, sinónimos de uma industrialização cultural e construtores de desejo e satisfação pelos “bens padronizados”. Nos meses seguintes o caos está presente no delirante ritual consumista. Enquanto uns acotovelam-se por agarrar “aquele brinquedo”, outros contemplam os inúmeros catálogos segmentados, revendo-se em certos produtos e projetando-se na identidade de quem os possui. O interesse em ser “igual” aos “iguais” revela-se neste cenário onde a sociedade surge alienada de si mesma, reduzindo a sua dimensão humana à plasticidade materialista.

Já em plena semana de Natal multiplicam-se as mensagens de “boas festas” entre “amigos”, muitas vezes esquecidos, e o repentino desejo de ajudar o próximo que, em certos casos, é rejeitado nos restantes 364 dias. Desta forma, esta estrutura ideológica, onde a hipocrisia se torna frequente, desvirtualiza o conceito desta festividade. Para compreendermos melhor o “verdadeiro espírito de Natal” o nosso olhar tem de se distanciar do pinheiro bem decorado e das iluminações urbanas; dos centros comerciais e das prendas trazidas pelo “Pai Natal”. Para vivermos um verdadeiro Natal, longe de projeções aparentes, teremos de mudar o modo como agimos e pensamos, abandonando um olhar alienado ou distraído e aproximando-nos da simplicidade do que é essencial, não num só dia, mas no ano inteiro.

Imagem representativa da ostentação e consumismo da quadra natalícia.
"Galerie Lafayette", Paris

Onde? Na avenida claro!





http://www.maxima.xl.pt/fotogaleria/14001.html

"A produção de ideias, de representações e da consciência está em primeiro lugar directa e intimamente ligada à actividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação directa do seu comportamento material." Karl Marx e Friedrich Engels - a ideologia Alemã, vol. I. Lisboa: Presença. 

Fashion Clinic Homem, Tod's, Lowe, David Rosas, Gilles, Dara, Louis Vuitton, Prada, Fly London são alguns dos vastos exemplos de lojas que se encontram na bela e famosa Avenida da Liberdade. 
Bela e famosa para todos mas apenas acessível para alguns. Toda a actividade "material e o comércio" hierarquizam-se segundo públicos alvo e é consoante as suas necessidades e disponibilidade económica que os produtos são produzidos.

A verdade é que as lojas se mantêm abertas e por sinal, muito bem! O comércio de alto luxo não para por muito que os supermercados estejam a despedir pessoas, pela diminuição do consumo, por muito que a crise aumenta a uma velocidade alucinante, e que em todo o lado se vejam lojas a fechar. Por muito que hajam cada vez mais famílias a necessitar de apoio, encontramos sempre uma forte solidez numa outra classe/ grupo social.

As pessoas não se julgam pela sua aparência, mas a verdade é que basta a aparência para se conseguir perceber estatutos!
E a roupa e acessórios são o principal factor para que isso aconteça.
Ao olharmos uma pessoa quase que conseguimos identificar a sua vida, um pouco generalista, claro, mas é verdade. E assim acontece na Avenida, brilhantes lojas, brilhantes produtos e poucos compradores, mas os melhores. 
A Avenida da Liberdade está na moda, é chique. 

Segundo o texto de Adorno e Hotkheimer, num contexto de uma industria cultural, a segmentação de consumidores é uma coisa cultural, por muito que o consumidor queira fugir a isso acaba sempre por "seguir a moda".

Seguem um estereótipo - imitação como hobbie absoluto - segmentado para um padrão de pessoas - cada grupo enverga um um determinado tipo, e esse grupo é igual a si mesmo, dentro dele as pessoas imitam-se, utilizam as mesmas coisas. Numa mesma categoria tudo vai dar a uma mesma coisa!
Valor de uso dá lugar ao valor de troca, conquistando prestigio. 
Mesmo que se queira sair deste "processo" não é possível,  por uma questão cultural. É uma verdadeira pescadinha de rabo na boca! 

Segundo tudo isto a Avenida de Liberdade é um local de estatutos, quem a frequenta, frequenta por uma questão de estatuto e não porque realmente gosta do que está a comprar. Compra por ser caro e não por ser interessante. As pessoas estão como que formatadas para apenas irem a determinadas lojas que se encaixam na sua categoria. 
Existe uma falsa liberdade de escolha, uma falsa identidade. 
A Avenida da Liberdade é um local onde, quem tem posses, vai às compras! 


"Não quero ser confundido nem misturado com esses pregadores da igualdade. Porque a justiça fala-me assim: os homens não são iguais. E nem devem tornais tais. Que seria o meu amor do super-homem se falasse doutro modo? É através de mil pontes e de mil caminhos que se devem orientar para o futuro e será sempre preciso fazer surgir entre eles mais guerras e desigualdade: é assim que o meu grande amor me faz falar. No seu ódio, tornar-se-ão inventores de estátuas e de fantasmas e com as suas estátuas e os seus fantasmas travarão entre si o supremo combate. Bom e mau, rico e pobre, e todos os nomes dados dos valores, tornar-se-ão armas e símbolos anunciadores de que a vida deve sempre ultrapassar-se a si mesma."

 Assim Falou Zaratrusta Friedrich Nietzsche


Ideia sensata, comum na nossa sociedade.
É uma observação pesada.

Como normal, tudo o que é demasiado crú não cai bem.
As pessoas não vão bem com o que  é real,

apesar de achar que vão.

Esta ideia é uma verdade inevitável.

São precisas guerras para que algo se torne "épico",
para que algo mude radicalmente,
para que se faça história.

Uma ilusão, confortável e cobarde.
Nunca seremos todos iguais.