por João Soares |
"Without alienation, there can be no politics" Arthur Miller
Hoje esqueci-me das chaves de casa na porta, do lado de fora. Deixei-as fora da minha zona de segurança, fora do que me é quente, conhecido; deixei a solução da minha intimidade, da minha perfeita bolha, ali, disponível, pronta a ser usada por qualquer um.
Mal me apercebi do sucedido, comecei a correr naquele sentido. Encontrava-me a 500m de distância - nunca havia percorrido aquele percurso de forma tão precisa, rápida e mecânica. Naqueles três minutos, que pareceram trinta, apercebi-me, num momento de epifania, de tudo o que estava a mexer e a remoer em mim; no meu corpo, manipulado e influenciado por um certo contexto, a que pertencia. Uma sensação de desprotecção tomou conta de mim: receio pela minha mãe, que já me acha suficientemente desatenta, por toda a gente que não me é familiar e pelas suas respectivas intenções - que cenário fácil e apetecível, uma forte porta, com tudo no devido lugar.
Alienada de tudo, a obsessão escolheu dominar até as partes mortas, que sobrevivem em mim.
Observei-me lá de cima, era agora uma partícula suspensa no ar, que escolheu reparar naquela pessoa, com aquele comportamento, semelhante a si mesma.
Quando, aos 11 anos, me concederam uma cópia da chave, senti-me livre, crescida e capaz. Aquele pedaço de metal - mecanicamente recortado e moldado - era responsabilidade, era um pacto, era liberdade. Não, não era!!! Hoje não me senti livre - muito pelo contrário. Senti-me aprisionada, e isso revoltou-me! Porque só agora, oito anos passados, é que senti a clarividência e a verdade do que transporto comigo diariamente; do que protejo, face ao significado e peso que tem.
Eu não quero ter chaves de casa, eu não quero precisar de chaves para entrar em Casa, eu não quero entrar em alvoroço por perder uma coisa que me impede de entrar no meu lugar-comum.
Principalmente, não quero ter medo daquilo que não é mais nem menos do que o meu reflexo, a minha verdade reflectida numa metáfora matreira.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.