terça-feira, 27 de novembro de 2012

“What kind of dining set defines me as a person?”

Diante da temática do consumismo e do "feitiço da mercadoria", do poder que esta exerce em nós e nos nossos comportamentos, passam-me sempre pela cabeça imagens e frases do Fight Club, filme de David Fincher.
Este filme, do ano de 1999, baseado no livro com o mesmo título de Chuck Palahniuk, aborda, para além de outras temáticas, o consumismo como um sinal de vazio emocional que, por isso, é um acto que tenta servir como uma espécie de "mecanismo de defesa" que parece tornar as coisas (e as pessoas) melhores e mais "cheias". É um perfeito exemplo da contemporaneidade consumista e hedonista. Trata-se, claramente, de uma forte crítica à sociedade americana e os seus valores (ou falta deles), se bem que, quando falamos deste problema não podemos apontar o dedo apenas aos americanos.
Com o advento dos meios de comunicação, a sua presença constante no nosso dia-a-dia e com a invenção das mais brutais manobras de marketing, as pessoas vão vendendo as suas almas aos poucos e poucos. Chegou-se a um ponto em que pessoas, ao pé das coisas, passam a ser o objecto, pois são manipuláveis e quase já nem têm controlo sobre elas mesmas. Já não se compra a marca x, a marca x é que alicia e compra os seus vorazes consumidores.

“The things you own end up owning you.” (Fight Club)

Durante o filme conhecemos a história de um homem, que tinha tudo (ou pelo menos ele assim o achava), e que, num acontecimento trágico, perde esse "tudo". As coisas que este possuía eram meramente materiais. Comprava-as porque para além de se ter tornado num autêntico "escravo" das marcas, tentava encobrir a falta de algo maior, algo espiritual, definindo a sua vida através das suas posses.




O excerto do filme que podemos ver no vídeo acima, justifica muito bem, a meu ver, porque é que associo este filme a esta problemática. O protagonista do filme, folheia um catálogo do Ikea enquanto vamos observando o seu apartamento a ser preenchido com os móveis e acessórios da mesma loja. Os objectos vão aparecendo num apartamento vazio, juntamente com uma pequena descrição do que são, quanto custam, etc. Ao mesmo tempo que isto acontece, para além de estar a ver o catálogo, o narrador, Edward Norton, está, ao telefone, a fazer encomendas à loja. “What kind of dining set defines me as a person?”, pergunta a si mesmo. É aqui que temos o culminar de toda a situação, de tudo o que uma loja como o Ikea provoca nas pessoas: vemos uma peça num catálogo, fotografada de uma determinada maneira, inserida num determinado ambiente e achamos, para nós, que seremos mais felizes, mais completos se a mesma estiver na nossa casa. O objecto caracteriza um sonho, figura um estatuto social, inclui-se numa determinada moda e o sujeito, manipulado, acredita que ao adquiri-lo vai acrescentar algo à sua vida e dar-lhe felicidade.


“Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
..."
Carlos Drummond de Andrade (1984) O corpo.

É, por isso, também clara, a associação com o que escreveu Carlos Drummond de Andrade. Evidencia a posição do sujeito, como um escravo, perante as modas, os catálogos e as marcas. No momento em que o protagonista perde tudo o que tinha, o filme desenrola-se numa filosofia praticamente niilista. O indivíduo começa a viver sobre a ideia de que só depois de perdermos tudo é que somos totalmente livres para fazer o que quer que seja. Estar sem nada serve como uma espécie de libertação. Sem carro, casa, dinheiro ou acessórios, somos nós sozinhos. Já nada, para além de nós, nos define como pessoas.
E, de facto, vivemos numa sociedade, numa crise de valores, que às vezes parece que precisa de perder tudo para depois se reinventar.


"You're not your job. You're not how much money you have in the bank. You're not the car you drive. You're not the contents of your wallet. You're not your fucking khakis. You're the all-singing, all-dancing crap of the world." (Fight Club)

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