terça-feira, 27 de novembro de 2012


Para vós, todas as visões são como palavras de um livro selado. Damo-lo a alguém que saiba ler, dizendo-lhe: «Lê isto!», essa pessoa responde: «Não posso, porque o livro está selado». Ou então, damo-lo a alguém que não sabe ler, dizendo-lhe «Lê isto!», e essa pessoa responde: «Não sei ler».
Isaías, XXIX, 11

Não sendo religiosa, ou, no máximo, não pertencendo a nenhuma religião, considerei esta passagem da Bíblia uma ponte para reflexões a estudos saussurianos.

Antes de iniciar considerações sobre a relação deste excerto com teorias de Saussure, gostaria de mencionar que também outro filósofo me veio à cabeça, contemporâneo a Saussure, embora mais recente: Ludwig Wittgenstein. Ir-me-ia estender demasiado se sintetizasse todas as reflexões de Wittgenstein, digo apenas que encontro presentes ligações a essas reflexões e consequentemente, a reflexões de Saussure. A ideia de que é necessário estar inscrito dentro dum contexto para que jogos de linguagem sejam compreendidos. É necessário uma linearidade, que as palavras se sucedam umas às outras e formem uma cadeia, para que sejam compreendidas. E, também reflectido por Wittgenstein, a incorrecção do uso dum signo, confundindo o seu significante com o seu significado: se o significante duma palavra fosse o seu significado, ela perderia o seu sentido se o significado desaparecesse:

Isto é, confunde-se a significação de um nome com o portador do nome. Se o Sr. N. N. morre, diz-se que morre o portador do nome, e não que morre a significação do nome. E seria absurdo falar assim, pois se o nome deixasse de ter significação, não haveria nenhum sentido em dizer: ‘o Sr. N. N. morreu’. (WITTGENSTEIN 1999, p. 42).

Um signo é a combinação dum conceito (significado) e duma imagem acústica (significante). Para Saussure, a língua constitui um sistema de signos arbitrários. Para que esses signos sejam compreendidos, são necessários múltiplos níveis de experiência: desde a complexidade das nossas percepções até à elaboração e sistematização das nossas representações do mundo. Só o Homem e essas suas tais capacidades, adquiridas pela própria condição de ser humano e adquiridas ao longo do seu crescimento, conseguem elaborar e compreender esses signos, comportamento epistemologicamente inevitável.

A língua constitui um sistema que, segundo Saussure, «é de todas as instituições sociais, a que oferece menor margem às iniciativas». Ou seja, a partir do momento em que a língua se instala como necessidade social básica e se formaliza convenientemente dentro dalguma cultura, ela quase que se estabiliza e perde liberdade por estar «presa ao peso da colectividade». No entanto, através de estudos diacrónicos, é possível verificar que a força da existência duma massa falante, em conjunto com a existência do tempo, causou efeitos na língua.

A passagem da Bíblia acaba por, de forma indirecta e, de certeza que não suposta, mostrar a necessidade da aquisição dum conjunto de elementos para que a língua seja compreendida. Servem como um desbloqueio dum livro selado que se torna claro ou, pelo menos, de forma aparente, apesar da sua complexidade.

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