Os Idiotas
Perante os temas apresentados e dissecados no correr das aulas de Cultura Visual, à luz dos seus autores, e perante a necessidade de os encadear, estruturar e compreender, recorrendo à imagética assimilada e disponível, é recordada, ainda que na diagonal, a película Canino, realizada, em 2009, pelo grego Yorgos Lanthimos. Concluindo que parte da matéria de estudo está latente nas situações mais desconcertantes deste filme recente, surgem imagens de outra obra que, pela crueza do Dogma 95 onde se entranha e pela maior distância temporal, parece mais propícia: Os Idiotas.
Os Idiotas, Lars von Trier, 1998
Explorando, em
comunidade e a pretexto de estudo ambíguo, hipotéticas vivências em estado
de deficiência mental, o grupo restrito promove, pela cumplicidade gerada,
situações limite onde, testando as suas capacidades de abstração, tenta - refugiado na comodidade
do anonimato, afastado das vivências individuais -, por em causa a ideologia onde
se insere.
Em campo aberto, tendo
como laboratório o quotidiano e as suas idiossincrasias, o dinamarquês Lars von Trier, em 1998,
consegue dar ao observador atento, para além do mais, a perceção da ideologia
envolvente, a sua elasticidade e o embaraço incitado quando esta é posta em
causa. Sendo também possível, no visionamento, pela diferenciação da atuação insólita
dos personagens, aflorar, entre outros, o tema da identidade do sujeito.
Provocação, desestabilização,
inconsequência, insolência são recursos convocados na improvisação, negando a
superficialidade e evidenciando a deformação ideológica inerente. Em certo
sentido, aos olhos do espetador, a subversão das regras imposta pelo jogo
privado em decurso legitima e dá sentido à norma social, reforçando-a.
Quando tantas barreiras
parecem ceder aos desígnios e a prevalência dos intentos inusitados tende a
fazer parte da nova hegemonia diletante proposta ao espetador, o repto assoma no
caminho da imprevisibilidade ilimitada: observar as capacidades de desempenho
isolado de cada ‘idiota’ na intimidade familiar ou laboral. Talvez a última fronteira da
significação de cada sujeito; aquela que lhe atribui, em primeira instancia,
significado e através da qual ele se significa. Althusser estará, decerto, por perto.
Aqui chegados, os que sugerem
maior fragilidade emocional na primeira abordagem - em grupo, no conforto e descomprometimento
de quotidiano que não os identifica -, parecem ganhar trunfos surpreendentes por,
de alguma forma, estarem, desde o início, na senda de nova significação de si
próprios e, na deriva, procurarem, convictos, ideologia renovada e desigual. Os
únicos, por estarem conscientes e discordantes da sua identidade, capazes de
testar a própria significação intrínseca. Em boa verdade, a saída alegórica da
sua própria caverna.
De narrativa mais intimista,
ainda que não de menor complexidade e interesse, fica por abordar o argumento de Canino. Talvez, em próxima intervenção ou,
quem sabe, em abordagem oportuna de outro parceiro das cumplicidades de Cultura
Visual.
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