terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Solaris" - Um reflexo do "eu"

Numa época em que a sociedade vive num ritmo cada vez mais acelerado, o estar “sem tempo” emerge como sintoma generalizado de uma esfera ideológica que exige cada vez mais do ser humano. Esta “pressa” diária surge não só materializada numa “velocidade” visível (pensemos no ritmo alucinante das cidades, no vaivém frenético dos indivíduos) como em algo invisível aos nossos olhos, mas cada vez mais intrínseco às novas gerações (a procura da ação imediata, do pensamento rápido). Deste modo, a modernidade torna-se incapaz de “parar”, de se pensar, de se olhar ao espelho e ver o seu próprio reflexo, pois este torna-se cada vez mais difuso, distraído, alienado de si mesmo, sem identidade. Neste sentido, “Solaris”, um clássico cinematográfico de Andrei Tarkovsky, emerge como uma reflexão profunda sobre a identidade humana e respetivas distrações, associada à crise de valores do Homem Moderno e ao existencialismo.

“Solaris” é um misterioso planeta estudado por uma estação espacial – Solarística - que aceitou a missão de investigar a possível existência de vida extraterrestre, dada a atmosfera enigmática do seu vasto oceano, cujos efeitos começam a afetar os investigadores. Para averiguar os acontecimentos é integrado na equipa o psicólogo Kris Kelvin, encontrando os membros da estação “alucinados”. Alienados de si mesmos, recebem “visitas” de seres estranhos, que correspondem a alucinações dos seus fantasmas interiores, espectros deles próprios. O estranhamento de si mesmo é de tal forma evidente, que Kelvin envolve-se com a imagem virtualizada da sua esposa, que já morrera. Deste modo, “Solaris” é um planeta em que o “eu”, associado aos medos, receios, traumas passados e desejos, é materializado, confrontando o ser humano com os seus limites, com o seu próprio reflexo. Todavia, por vezes, a sociedade prefere continuar distraída, "acelerada", sem ser confrontada consigo mesma.

Desta forma “Solaris” é um espelho da crise, não só do capital, como de toda a estrutura ideológica que distrai uma sociedade demasiado “apressada” para parar, estar, criar laços afetivos e sociais e conhecer – o outro e nós mesmos. Citando Saint-Exupéry “os homens não têm tempo de conhecer coisa alguma”. E “Solaris”, um planeta vivo, é um alerta à sociedade, é um “espelho que inquieta uma civilização incapaz de se auto-refletir” (Giovanni Alves). As visitas surgem como estranhas, quando, na verdade, são parte de nós. 

É o momento do ser humano conhecer-se, ver o seu reflexo, a sua identidade, tomar consciência dos seus sentimentos, pensamentos, desejos e sonhos. Um filme que nos faz “parar” e partir à descoberta de nós próprios.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.