domingo, 2 de dezembro de 2012

O "efeito observador"


 Foi a meio de uma conversa com o meu pai que surgiu, há já alguns dias, um assunto que me interessou bastante e que achei que se poderia relacionar com as nossas aulas de Cultura Visual: o efeito observador. Este é um conceito utilizado em física para as situações em que o investigador – o observador – altera o fenómeno em estudo através da própria observação. Ora bem, talvez seja melhor exemplificar... Imaginemos um cientista que observa bactérias ao microscópio. Para o efeito elas terão de estar entre duas placas de vidro, as lamelas, e terão de estar expostas a uma certa quantidade de luz.  Todas estas condições necessárias à observação terão um efeito menor ou maior sobre as bactérias, podendo alterar o seu comportamento. Outro exemplo será a verificação da pressão num pneu de um carro: é praticamente impossível impedir a saída de algum ar, o que irá, assim, alterar o nível da pressão. Desta maneira, o medidor altera o medido, o observador altera o observado.
 Na altura da sua descoberta, - que se deu em princípios do passado século XX-, o efeito observador não se deixou ficar pela física e começou a influenciar várias ciências, incluindo as sociais. Recorrendo mais uma vez à imaginação, vemos, por exemplo, um investigador que se deslocou à aldeia de uma determinada tribo para estudar os seus modos de vida (pensemos até no texto “Bichon e os pretos”, de Roland Barthes, embora a situação seja diferente*). Começou-se a perceber que por mais despercebido que o cientista passasse era inevitável uma alteração no comportamento desse grupo de pessoas.
 Procurou-se encontrar soluções  para reduzir o impacto da observação em indivíduos ou comunidades, como por exemplo a introdução prévia  do investigador no seio destas,  o “tornar-se um membro para melhor compreender e menos influenciar”, mas agora surge a questão: não estará o efeito observador permanentemente presente nas nossas vidas quotidianas?
  E limitar-se-á a influência da observação a diferenças no comportamento do observado? Não alteramos constantemente o que nos rodeia mediante as nossas próprias ideias, preconceitos, estereótipos?  Chegamos à ideologia de Marx como falsa consciência. A realidade nunca nos é dada a ver clara e limpa, pois moldamo-la segundo “as ideias da classe dominante, aceites na sociedade como naturais e normais”, moldamo-la através da nossa observação, que está condicionada e limitada pelo senso comum.
 É como se nos víssemos a nós mesmos, as nossas experiências e o que nos rodeia através de um tubo comprido. Através dele a realidade é-nos transmitida e durante o seu percurso sofre diversas amolgadelas, aplicadas por ideologias invisíveis mas intrínsecas, chegando-nos já distorcida.
 E assim pergunto-me: será que existe uma realidade, a realidade? Podemos alcançá-la? E qual será a nossa realidade, quem somos, enquanto indivíduos e sujeitos? Pois se nos moldamos conforme a observação dos outros, bastar-nos-á  confiar no comportamento que adoptamos quando sozinhos? Não estaremos sempre a ser observados pelo senso comum, pelas invisíveis ideias da classe dominante?
 Questões como estas podem deixar-nos mais alertas face à nossa relação com o que nos rodeia, para além de sugerirem uma inquietação acrescida: que controlo temos sobre nós próprios, já que estamos constantemente (e inconscientemente) submetidos às condições impostas por ideologias que não nos são perceptíveis?
 Seremos verdadeiramente livres?

*Ao longo do texto acabo por referir dois efeitos (distintos mas intrinsecamente relacionados entre si) da observação, o da alteração no comportamento do observado e o da distorção da realidade do observado aos olhos do observador. O conceito do efeito observador parece-me restringir-se mais ao primeiro efeito, enquanto que o texto “Bichon e os pretos” ao segundo.

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