Lembro-me do tempo em que o Natal
era uma época distante dos restantes dias do ano.
Associava-o a uma data mágica, onde o sonho e a imaginação eram o espelho de um
tempo diferente, mais próximo de cada um de nós.
Recordo que, ao longo da
infância, iam surgindo breves mensagens que procuravam incutir o “verdadeiro espírito
de Natal”. Conceito que pensara ter apreendido: valorizar os afetos, a
capacidade de “dar”, sem apenas valorizar o desejo característico dos
presentes. Todavia, ao crescermos, apercebemo-nos que esta mensagem,
aparentemente simples, concentra em si mesma uma forte rutura ideológica. No
sentido de melhor compreendermos a noção do “verdadeiro espírito”, concentremos
o nosso olhar na evolução do Natal na sociedade, ao longo do tempo.
Inicialmente, o Natal não era
celebrado, surgindo como festividade religiosa apenas no século IV, comemorando
o nascimento de Jesus Cristo no simbólico dia 25 de Dezembro, data em que o
Imperador Justiniano o proclamou feriado nacional.
Ao longo dos tempos, a
festividade tem sido comemorada segundo um invólucro ideológico cada vez mais enraizado
na sociedade. A simplicidade evocada pelo conceito de Natal, em grande parte
presente na memória dos nossos avós, opõe-se à frenética rede consumista atual. O fenómeno coletivo da “febre das compras” é alimentado, em pleno Outubro,
pelas sucessivas propagandas publicitárias e pelos centros comerciais,
sinónimos de uma industrialização cultural e construtores de desejo e
satisfação pelos “bens padronizados”. Nos meses seguintes o caos está presente
no delirante ritual consumista. Enquanto uns acotovelam-se por agarrar “aquele
brinquedo”, outros contemplam os inúmeros catálogos segmentados, revendo-se em
certos produtos e projetando-se na identidade de quem os possui. O interesse em
ser “igual” aos “iguais” revela-se neste cenário onde a sociedade surge
alienada de si mesma, reduzindo a sua dimensão humana à plasticidade materialista.
Já em plena semana de Natal multiplicam-se
as mensagens de “boas festas” entre “amigos”, muitas vezes esquecidos, e o repentino
desejo de ajudar o próximo que, em certos casos, é rejeitado nos restantes 364
dias. Desta forma, esta estrutura ideológica, onde a hipocrisia se torna frequente,
desvirtualiza o conceito desta festividade. Para compreendermos melhor o “verdadeiro
espírito de Natal” o nosso olhar tem de se distanciar do pinheiro bem decorado
e das iluminações urbanas; dos centros comerciais e das prendas trazidas pelo “Pai
Natal”. Para vivermos um verdadeiro Natal, longe de projeções aparentes, teremos
de mudar o modo como agimos e pensamos, abandonando um olhar alienado ou
distraído e aproximando-nos da simplicidade do que é essencial, não num só dia,
mas no ano inteiro.
Imagem representativa da ostentação e consumismo da quadra natalícia.
"Galerie Lafayette", Paris
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