quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dia(s) de Natal


Lembro-me do tempo em que o Natal era uma época distante dos restantes dias do ano. Associava-o a uma data mágica, onde o sonho e a imaginação eram o espelho de um tempo diferente, mais próximo de cada um de nós. 

Recordo que, ao longo da infância, iam surgindo breves mensagens que procuravam incutir o “verdadeiro espírito de Natal”. Conceito que pensara ter apreendido: valorizar os afetos, a capacidade de “dar”, sem apenas valorizar o desejo característico dos presentes. Todavia, ao crescermos, apercebemo-nos que esta mensagem, aparentemente simples, concentra em si mesma uma forte rutura ideológica. No sentido de melhor compreendermos a noção do “verdadeiro espírito”, concentremos o nosso olhar na evolução do Natal na sociedade, ao longo do tempo.

Inicialmente, o Natal não era celebrado, surgindo como festividade religiosa apenas no século IV, comemorando o nascimento de Jesus Cristo no simbólico dia 25 de Dezembro, data em que o Imperador Justiniano o proclamou feriado nacional.

Ao longo dos tempos, a festividade tem sido comemorada segundo um invólucro ideológico cada vez mais enraizado na sociedade. A simplicidade evocada pelo conceito de Natal, em grande parte presente na memória dos nossos avós, opõe-se à frenética rede consumista atual. O fenómeno coletivo da “febre das compras” é alimentado, em pleno Outubro, pelas sucessivas propagandas publicitárias e pelos centros comerciais, sinónimos de uma industrialização cultural e construtores de desejo e satisfação pelos “bens padronizados”. Nos meses seguintes o caos está presente no delirante ritual consumista. Enquanto uns acotovelam-se por agarrar “aquele brinquedo”, outros contemplam os inúmeros catálogos segmentados, revendo-se em certos produtos e projetando-se na identidade de quem os possui. O interesse em ser “igual” aos “iguais” revela-se neste cenário onde a sociedade surge alienada de si mesma, reduzindo a sua dimensão humana à plasticidade materialista.

Já em plena semana de Natal multiplicam-se as mensagens de “boas festas” entre “amigos”, muitas vezes esquecidos, e o repentino desejo de ajudar o próximo que, em certos casos, é rejeitado nos restantes 364 dias. Desta forma, esta estrutura ideológica, onde a hipocrisia se torna frequente, desvirtualiza o conceito desta festividade. Para compreendermos melhor o “verdadeiro espírito de Natal” o nosso olhar tem de se distanciar do pinheiro bem decorado e das iluminações urbanas; dos centros comerciais e das prendas trazidas pelo “Pai Natal”. Para vivermos um verdadeiro Natal, longe de projeções aparentes, teremos de mudar o modo como agimos e pensamos, abandonando um olhar alienado ou distraído e aproximando-nos da simplicidade do que é essencial, não num só dia, mas no ano inteiro.

Imagem representativa da ostentação e consumismo da quadra natalícia.
"Galerie Lafayette", Paris

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