Vi há pouco tempo este anúncio,
referente a uma marca de lâminas de barbear que para atrair o consumidor (o
público alvo é jovem/adulto e de sexo masculino) a comprar os seus produtos menciona
um estudo que conclui que 82% das mulheres considera não haver nada mais
atraente do que um homem a fazer a barba.* A indústria pretende atingir o
freguês através da alusão à satisfação do sexo oposto, um objectivo que
pressupostamente todos querem atingir. A utilização do produto é apresentada
como o caminho a seguir para conseguir a atenção e o desejo (mais do que o afecto
ou o amor) do outro, o que culminará
numa sensação de autoconfiança e poder - felicidade. A lâmina de barbear é
vista como ferramenta para alcançar o derradeiro sucesso na vida, a felicidade
plena. Muitas vezes nem sequer são mencionadas as características do objecto,
pois esses são elementos secundários que só desviariam o espectador da imagem
de vida ideal que a publicidade lhe quer impingir.
No entanto, é necessário
analisar mais profundamente o papel da mulher neste anúncio. Durante toda a
publicidade vemos a possível companheira do protagonista a segurar um cabide
nas mãos, o qual acaba por partir, num gesto último que parece exteriorizar o
seu prazer e desejo ao vê-lo barbear-se. Certamente que a indústria não deixará nada ao
acaso no que toca a estratégias de marketing, já que a sua principal
preocupação é o aumento de lucros ao fim do dia. Assim, não será inocente a
presença do cabide. É dada a ideia de que a mulher arruma o “lar”, enquanto o
homem se prepara para sair, pois o público-alvo não são adolescentes (embora
estes também possam ser influenciados e atraídos pelo produto), mas sim homens
adultos que para além da atenção das mulheres também desejam uma vida estável e
organizada (social e economicamente). Para simbolizar essa organização, essa “arrumação
da vida” ou um futuro que se quer claro e limpo (como o cenário do anúncio), a
mulher apresenta-se a arrumar o armário do casal, seguindo a tradição antiga, o
estereótipo e o preconceito da “dona do lar”, que, em século XXI, ainda
subsiste no imaginário comum.
Para além disto a total alheação
do que estava a fazer e o olhar como que hipnotizado com que ela observa o
homem demonstra uma atitude de submissão, podendo-se fazer aqui um paralelismo
com as páginas da revista Seventeen que John Fiske analisou: os olhos muito
abertos e daí acentuados aludem à infantilidade e ingenuidade e o pescoço
inclinado reforça o espírito submisso - a pose dirige-se a um homem “poderoso e
erecto”, como o espectador aspira ser.
O derradeiro sinal de subjugação é a sua expressão de “culpa indefesa”, o “ups!” largado pelos seus olhos ao partir o cabide, como se não tivesse a capacidade de se dominar ou de agir por si mesma quando “debaixo do feitiço” do homem confiante, que então se apercebe da sua presença e lhe lança um compreensivo sorriso (consciente da atracção que provocou).
O derradeiro sinal de subjugação é a sua expressão de “culpa indefesa”, o “ups!” largado pelos seus olhos ao partir o cabide, como se não tivesse a capacidade de se dominar ou de agir por si mesma quando “debaixo do feitiço” do homem confiante, que então se apercebe da sua presença e lhe lança um compreensivo sorriso (consciente da atracção que provocou).
Desta maneira, e a meu ver, este
é um anúncio com um conteúdo ideológico ainda fortemente sexista. Casos
semelhantes persistem na actualidade (basta fazer uma breve pesquisa no Youtube
para encontrar exemplos de publicidade alusiva à “objectificação” da mulher ou
à sua submissão – e consequente sentimento de inferioridade - perante o homem),
o que adia cada vez mais a transformação de uma sociedade verdadeiramente justa
em realidade.
*Gostaria de alertar para a importância de colocar diversas questões
quanto à natureza deste estudo, embora não o faça na presente publicação.
Relembre-se as palavras de Adorno e Horkheimer: “A indústria [...] esgueira-se
com mestria entre os escolhos da informação ostensivamente falsa e da verdade
manifesta”.
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