domingo, 16 de dezembro de 2012

A ideologia (in)visível

 Vi há pouco tempo este anúncio, referente a uma marca de lâminas de barbear que para atrair o consumidor (o público alvo é jovem/adulto e de sexo masculino) a comprar os seus produtos menciona um estudo que conclui que 82% das mulheres considera não haver nada mais atraente do que um homem a fazer a barba.* A indústria pretende atingir o freguês através da alusão à satisfação do sexo oposto, um objectivo que pressupostamente todos querem atingir. A utilização do produto é apresentada como o caminho a seguir para conseguir a atenção e o desejo (mais do que o afecto ou o amor) do outro,  o que culminará numa sensação de autoconfiança e poder - felicidade. A lâmina de barbear é vista como ferramenta para alcançar o derradeiro sucesso na vida, a felicidade plena. Muitas vezes nem sequer são mencionadas as características do objecto, pois esses são elementos secundários que só desviariam o espectador da imagem de vida ideal que a publicidade lhe quer impingir.
 No entanto, é necessário analisar mais profundamente o papel da mulher neste anúncio. Durante toda a publicidade vemos a possível companheira do protagonista a segurar um cabide nas mãos, o qual acaba por partir, num gesto último que parece exteriorizar o seu prazer e desejo ao vê-lo barbear-se.  Certamente que a indústria não deixará nada ao acaso no que toca a estratégias de marketing, já que a sua principal preocupação é o aumento de lucros ao fim do dia. Assim, não será inocente a presença do cabide. É dada a ideia de que a mulher arruma o “lar”, enquanto o homem se prepara para sair, pois o público-alvo não são adolescentes (embora estes também possam ser influenciados e atraídos pelo produto), mas sim homens adultos que para além da atenção das mulheres também desejam uma vida estável e organizada (social e economicamente). Para simbolizar essa organização, essa “arrumação da vida” ou um futuro que se quer claro e limpo (como o cenário do anúncio), a mulher apresenta-se a arrumar o armário do casal, seguindo a tradição antiga, o estereótipo e o preconceito da “dona do lar”, que, em século XXI, ainda subsiste no imaginário comum.
 Para além disto a total alheação do que estava a fazer e o olhar como que hipnotizado com que ela observa o homem demonstra uma atitude de submissão, podendo-se fazer aqui um paralelismo com as páginas da revista Seventeen que John Fiske analisou: os olhos muito abertos e daí acentuados aludem à infantilidade e ingenuidade e o pescoço inclinado reforça o espírito submisso - a pose dirige-se a um homem “poderoso e erecto”, como o espectador aspira ser.
 O derradeiro sinal de subjugação é a sua expressão de “culpa indefesa”, o “ups!” largado pelos seus olhos ao partir o cabide, como se não tivesse a capacidade de se dominar ou de agir por si mesma quando “debaixo do feitiço” do homem confiante, que então se apercebe da sua presença e lhe lança um compreensivo sorriso (consciente da atracção que provocou).
 Desta maneira, e a meu ver, este é um anúncio com um conteúdo ideológico ainda fortemente sexista. Casos semelhantes persistem na actualidade (basta fazer uma breve pesquisa no Youtube para encontrar exemplos de publicidade alusiva à “objectificação” da mulher ou à sua submissão – e consequente sentimento de inferioridade - perante o homem), o que adia cada vez mais a transformação de uma sociedade verdadeiramente justa em realidade.

*Gostaria de alertar para a importância de colocar diversas questões quanto à natureza deste estudo, embora não o faça na presente publicação. Relembre-se as palavras de Adorno e Horkheimer: “A indústria [...] esgueira-se com mestria entre os escolhos da informação ostensivamente falsa e da verdade manifesta”.

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